Os vampiros estão na moda.Nada de novo nisso,já que os morcegões
habitam com familiaridade o imaginário literário,cinematográficoe
teatral desde a publicação do "Drácula",de Bram Stoker,em meados de
1890.
O que chama mais atenção são as adaptações que as figuras noturnas tem
sofrido, adaptações por vezes mais delicadas do que simples mudanças
de corte de cabelo ou vestuário,como no cinema.
Por exemplo:há vampiros hoje que são contra a violência,e até contra o
sexo antes do casamento.Tudo bem,mudanças éticas são formas bastante
eficientes de adaptação.Mas há mudanças que não são tão explícitas,que
se efetuam no recalque de certos elementos do mito,e que são as que
mais nos interessam.Justamnente porque nesses recalques vão aparecer
elementos inquietantes de nossa época.
Primeiro:nos atuais modelos adolescentes de vampiro,vividos por moços
e moças lindos "de morrer",recalca-se um elemento tão importante do
mito como sugar sangue:os vampiros são corpos mortos animados,o que
lhes confere características importantes como a pele fria,a palidez
cadavérica,a magreza esquelética,em suma,o aspecto de um corpo morto.O
vampiro é uma figura da morte.
Daí que é difícil imaginar um(a) adolescente de hoje fascinado com tal
figura,cheirando mal,gelada e endurecida.Mais do que isso:o vampiro é
um corpo morto passeando por aí,não um moço que morreu mas não morreu
e vaga melancólico pelas paisagens da moda.Ou seja,o vampiro é uma
figura eterna da morte,e não de juventude eterna.
Segundo,o vampiro não é bem humorado;os mitos que deram origem à sua
figura têm sua origem em histórias de defuntos que voltam da tumba
para se vingar dos vivos,ou por eles estarem vivos,ou por não terem
honrado seus mortos como estes desejavam.Nessa vingança são
invejosos,cruéis,imorais,são puro ressentimento e amargura;são figuras
de desttruição e rancor.Nada a ver com jovens inconformados com um
mundo desumano(!) que caminham por uma eterna noite "blazé".
Terceiro,o vampiro é uma reação de pequenas comunidades européias
contra a visão cartesiana do humano que invadia ,através dos
colonizadores,o imaginário pagão da Europa oriental e central.
Contra um homem cartesiano composto de alma e corpo,que liberava sua
alma imortal no momento da morte,dando lugar a um corpo
-coisa-cadáver,"res extensa",o mito do vampiro contrapunha uma forma
de vida que prescindia da alma
.Claro que paralelo às epidemias de vampirismo dos séculos XVI e
XVII,a igreja entrou em campo com a idéia do vampirismo como
maldição,resultado de atos do morto como não ser
batizado,suicidar-se,ser filho ilegítimo,fornicar fora do
casamento.Mas fica no âmago das histórias da criatura noturna esse
desafio à antropologia cristã-cartesiana,o triunfo impertinente de
mortos vivos que andavam e desejavam sem precisar ter uma alma;mais
que isso,estavam livres da danação eterna no inferno,já que o que vai
para o inferno é a alma,coisa que eles não tem.
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