tigres

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domingo, 7 de agosto de 2011

Dessacralizando práticas artrosadas-continuação

Proponho aqui dois eixos de concepção da idéia de saúde-doença.
Primeiro,o eixo que inclui o tipo de intervenção.
Nesse eixo,falamos de três perspectivas:saúde como ausência de alterações nos funcionamentos corporais,saúde como ausência de sofrimento e saúde como conexão do sujeito às suas potencialidades.
Saúde como normalidade das funções biológicas:essa é a perspectiva dos chamados "check-ups",as investigações laboratoriais "preventivas",que garantiriam uma vigilância sobre processos de doença ainda nascentes,ou ainda ignorados,mas já trazendo perigo.A saúde como paraíso perdido da homeostase,que por se conformar perfeitamente ao corpo natural,garantirá a ausência de doença e a evitação do sofrimento.
Saúde como ausência de sofrimento:o estado natural do ser humano seria uma eterna bem aventurança;todos em paz ,nenhuma dor,impotência ou envelhecimento à vista.Lógica que sustenta  enorme complexo econômico,que inclui de antidepressivos mau prescritos à lipoaspiração,cirurgias cosméticas e viagra.
Saúde como conexão com as potencialidades:o que se procura aqui não é homeostase ou eutimia paradisíaca,mas produção de articulações do sujeito com formas de exercício de potencia,já familiares a ele ou não.Novas significações da corporalidade a partir de lógicas de fruição,e não de acomodação a ideais platônicos-midiáticos.Conhecer os sonhos do corpo.Sensibilizações para novas erogeneidades.Novas articulações intersubjetivas:o esquizo não mais embalador de pacotes de supermercado,o esquizo fazedor de tarefas possíveis,da idéia e prática de novos fazeres.
Outro eixo de perspectiva:os esquizo não como
quem tem que aprender a existir num mundo que acreditamos que é o real(que de resto não existe),mas como protagonistas(como nós das configurações neuróticas)de experimentações de dispositivos de interpretação do sofrimento,do amor,da morte,da sexualidade,da lógica capitalista.Sem a idealização dos loucos profetas,loucos santos,loucos produto de incorporações ideológicas.Há algo nos esquizo ,nos autistas,nos paranóicos,além de uma indigência freak.Acompanhá-los em seus momento de crise,com os recursos que tivermos na mão(medicação adequada,psicoterapia,futebol) é só o começo desse empreendimento.
Como essas imprecações se relacionam com o trabalho nos Caps ?Não perca o próximo capítulo.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

CAPS:dessacralizando práticas artrosadas

Nas minhas andanças por vários CAPS(crianças,adultos psicóticos,dependentes químicos)vai se confirmando uma antiga hipótese:a palavra CAPS,como "psicose","cidadania",manicômio","anti-manicômio",e outras,sofreram rápidamente uma incorporação pelas formas hegemônicas de discurso.De sorte que não querem dizer mais nada.Repetidas vezes tenho conversado sobre isso com o pessoal que trabalha nesses dispositivos,saindo sempre com a impressão entre cômica e trágica de que ninguém sabe ao certo o que está fazendo.
O que acontece?Muitos desses profissionais são dedicados,interessam-se o suficiente pelo seu trabalho a ponto de fazer supervisôes clínicas custeadas com dificuldade,ou cursos de extensão em psicopatologia,ou psicanálise,ou saúde pública,ou outra de inúmeras tentativas de validar a própria perplexidade apelando ao velho colo institucional.Portanto,esse efeito estupefaciente de palavras sagradas que ninguém sabe o que querem dizer.não se explica de forma simples como deficiências na formação,complexidade crescente dos desafios da clínica(o que é verdade).
Penso que o primeiro passo poderia ser lembrar que apesar dos cartesianos discursos dos administradores do estado,ou da beleza quase evangélica das cartilhas do Ministério da Saúde,na sua ingenuidade e clareza esquemática,geralmente quem faz as cartilhas não é quem atende nos aparatos do estado,ou fez isso há tanto tempo que já não se lembra mais de como era.E ao lermos esses manuais ficamos com a impressão de que quem os escreveu tentou fazer como na passagem bíblica onde Deus criou o mundo:ele dizia faça-se e a coisa aparecia pronta.Da mesma forma:façam-se os Caps.Façam-se os grupos com os familiares.Façam-se a aderência ao tratamento.Façam-se a ambiência,o profissional de referência,o projeto terapêutico singular,a transdisciplinaridade.E faça-se a cara de que todos sabemos do que estamos falando;afinal,as palavras sagradas são tabu,e perguntar pode ser mal interpretado como  questionar,e questionar ser visto como confrontar,e...temos todos nossas contas pra pagar no final do mês.
Aí encontramos um mecanismo muito eficiente de esterilizar completamente qualquer idéia nova:transformemo-la em conceito canônico,em palavra de ordem,em senha que repitamos indefinidamente até embotarmos nossa capacidade de duvidar.
Proponho o início de uma dessacralização:vamos conversar sobre essas palavras ,idéias.Vamos correr o risco de descobrir que algumas não se adequam mais,outras são potentes se articuladas novamente com alguma virulência.Vamos começar com algumas conversas sobre o que chamamos de saúde,e portanto doença,e portanto tratamento.