tigres

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sexta-feira, 1 de julho de 2011

O Arquétipo imaginário da sagrada família:repercussões clínicas

Há alguns anos venho realizando,dentro do contexto terapêutico dos CAPS,grupos para os quais dei o nome de "grupos de Religião".Nestes grupos tento utilizar as narrativas subjetivas de experiências religiosas como objeto transicional e catalizador de interlocução junto a pacientes psicóticos,na maioria das vezes com o diagnóstico de esquizofrenia.
O material que vai se configurando nesses encontros é de uma riqueza imensa,tanto em pistas para pensar a terapêutica dessas pessoas,como para estudar a incidência dos arquétipos imaginários veiculados na cultura a partir das várias denominações religiosas trazidas pelos membros dos  grupos
Hoje gostaria de começar a trabalhar sobre um tema que pretendo continuar desenvolvendo aqui no blog(na minha lentidão habitual).Falo do arquétipo imaginário(usando essa noção como enunciada por Gilbert Duran) da sagrada família(Espírito Santo,José,Maria,Jesus).
Nessa estrutura narrativa,o homem mais perfeito que já existiu nasce apenas de uma mulher,sem contato sexual com um homem.Nasce como o  resultado de um chamado divino dirigido a uma mulher diferente de todas as outras,escolhida entre todas as outras.Esse chamado se substancializa na fecundação do corpo dessa mulher pelo espírito santo,força constitutiva do poder de Deus.
O pai humano não é positivamente um pai,mas um fantasma de homem coma função de cuidar desse filho especial.
Observo ao longo desses grupos dois momentos de recitação desse mesmo enunciado.Num primeiro momento,fala-se da história como parte da tradição,"como está na bíblia " ou como o padre/pastor falou.Nesse momento o relato já é um relato interpretativo,a meio caminho do imaginário do narrador e do discurso institucional.(como de resto qualquer relato).Prosseguindo,surgem as narrativas míticas das histórias das próprias famílias,que vão desenrolar o tema nas mesmas estruturas:o chamado para uma missão especial,no início do delírio,o pai que nunca é pai,mas um acidente na constituição desse escolhido,a mãe que vê brotar de si o corpo do escolhido sem a interferência do corpo paterno.E o escolhido incoompreendido que no  final será assassinado pelos "outros",que invejosos por não possuírem os atributos do escolhido vão lhe armar eternas emboscadas.
Acredito que não podemos estimar a força e as consequências  da implantação desse enunciado cultural na formação da subjetividade com a qual lidamos em nossa prática clínica,e mesmo nos fluxos subjetivos "normais"do social.
Afinemos pois as orelhas,soltemos as amarras de nossa vida mental,e partamos para essas novas jornadas da estruturação de nosso saber clínico.
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