tigres

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domingo, 5 de setembro de 2010

Sobre a prática do profissional da ssaúde

O caminhante e sua sombra: Convite a interlocução: "Espero que esse lugar virtual sirva como um respiro para os que como eu tem insistido na batalha do dia a dia pela dignidade no a

tendimento..."
Se fõssemos escolher uma entre as várias capacidades necessárias para atuar em atendimento como profissional da saúde escolheríamos certamente a capacidade de implicação no destino humano/trágico de um outro além de si mesmo.


Capacidade de implicação:possibilidade de ser invadido por ondas de sentimentos,sensações corporais,imagens,a partir do contato com um outro.Essa sensibilização inclui um desejo de intervir,de embarcar no destino trágico do outro,no sentido de viabilizar o advir em ato de suas potencialidades singulares.

Embarcar nesse destino trágico não implica em uma idéia de "juntos para sempre,para o que der e vier"-a intervenção pode ser pontual,momentânea,ou contínua por longos períodos.O fato principal aí é o desejo de intervir na infinita cadeia de fatos que vão configurando um destino;de ver florescer,expandir,afirmar-se o outro nas suas possibilidades.

Lembrar que essa intervenção não é necessáriamente liga da a um alívio do sofrimento(mesmo porque são raras as vezes onde isso é possível).O gesto terapêutico vai no sentido de aumentar o potencial de vida disponível para o outro.Isso pode ou não resultar em alívio da dor.


Não falamos aqui da onipresente posição de compaixão pelo outro,pena do outro,de ocupar o vértice formado pela onipotência do salvador,a culpa do santo ou a arrogância do médico.O vértice oposto a esse é ocupado por um outro objetivado,passivo,coitado,desvalido,excluído,doente,em suma num suporte para a redenção de meus pecados,para a consagração do meu saber,para a tábua de minhas valorações,e por fim sentido de minha vida.


Não.


O que nos move no cuidado do outro é nosso desejo de afirmação de uma potência,resultante de um transbordamento de vida que nos excede.Um convite à luta contra uma circunstância adversa,um oportunidade de exercício de nossa força.Um desejo de expansão,vida desmedida que em seu exagero e prodigalidade ingênua se dá.Gozo quando sinto que adiciono força à vida do outro.

Não fazemos nada em nome de ninguém nesse campo.Ou fazemos por nós,como bolinadores escrotos usando a figura objetivada do "paciente"para nossa ascenção na escala do mercado,mercado das benesses do céu ou mercado das vitrines das competências científicas,humanitárias.Ou fazemos em nosso nome quando no canalizar de nossos transbordamentos de vida para o cultivo,o florescimento,a itensificação do destino do outro.

Destino trágico do outro:não anuciamos esperança de salvação,menos ainda de uma que pudéssemos garantir.Há que ser honesto e reconhecer que a vida do outro,como a nossa,é constante travessia,luta,superação;e sem sobremesa no céu.O destino humano é trágico-a potencialização do humano passa pela lida com o sofrimento.

Falamos de destino no sentido de que não há livre arbítrio,mas gestos,atitudes,coportamentos resultantes dos combates entre os fluxos,resultantes que montarão as cofigurações sempre provisórias da subjetividade.Esses fluxos mantêm-se em geral opacosà consciência:são anteriores à percepção de si do indivíduo,alheios ao seu conhecimento e projetos,acidentais,circunstanciais.Se figuramos a situação da ótica de um Eu,cabe a imagem de uma jangada na superfície do mar aberto transtornado por uma tempestade.(Imagens repetidas infinitamente sempre que se afirma a figura do Eu.)


Na ótica de um participante que se desloca,a imagem seria a de um feixe de fios de luz,ou da infinitude de microorganismos em interação em uma poça d'agua na chuva de uma floresta tropical.

Assim,a saúde do cuidador aparece no seu desejo de estar junto como a alegria exuberante de uma criança que corre pela primeira vez para o mar;um transbordamento de forças hipnotizado pelo desafio.


Nem sempre estamos investidos de tal prodigalidade;e aí não podemos usar ou dar o que não possuímos.


Voltando às idéias:elas foram criadas como unidades significativas constituindo dispositivos para avaliações urgentes:um predador que passou e deixou um vestígio,uma planta que pode ser comida,a possibilidade de ser atacado e assaltado em certas ruas (ou em todas)da cidde,a presença de uma doença que requer tratamento imediato.


Fundamentalismo:fazer de uma idéia um deus:absoluto,imutável,eterno,sem origem,sem fim.Objeto mágico,que portado por mim assegura que estou no caminho certo,que sou justo,bom.Garante que quem percebo como outro é do mal,que meu direito e dever é eliminá-lo.

Assim cruzamos na vida com várias configurações fundamentalistas de pensamento:religiosas,técnicas,científicas,universitárias.

Os fundamentalistas são seprew chatos de uma maneira inconfundível:falam da sua preciosa verdade com brilho nos olhos,olhando de cima ou para um ponto no infinito.Não dão risada-sorriem discretamente.São sempre amigos de uma moral:certo e errado saem fácilmente de suas bocas adornadas com um batom discreto ou com barbas comportadas.Alguns são ferozes,esbravejando imediatamente quando não obedecidos;outros são gentis,condescendentes,na certeza de que possuem a pedagogia que nos curará de nossa ignorância.Me lembro de uma entrevista de emprego onde me disseram que eu era livre para trabalhar como quisesse desde que dentro das rotinas preconizadas pela instituição.A bela entrevistadora terminava cada parágrafo professando sua fé pedagógica:"você está entendendo,não é?"


Há uma marca da convivência com esses senhores que merece ainda uma vez ser comentada:junto aos fundamentalistasde nossa cultura(sejam psiquiatras biológicos ,psiquiatras espirituais,psicanalistas,militantes da reforma psiquiátrica ou de outra boa nova):junto a eles nos sentimos sempre coo se não existíssemos.É como se (ou é mesmo)ao nos ausentarmos o satisfeito orador fosse continuar sua ladainha da mesma forma.(mesmo que fôssemos substituídos por ursos,robôs ou qualquer outra espécie de platéia).Haja potência de afirmação para sair ileso de seu convívio.

Não somos representados por nenhuma idéia ou pessoa;a idéia de que podemos ser representados por alguém é a idéia de que existe uma outra cena,outra instância,outro lugar,onde não podemos entrar por alguma inadequaçãocongênita.Nesse lugar tabu acontece algo muito gostoso,poderoso,que todos nós aqui fora queremos:sejam as reuniões dos senados,das lideranças,dos centros acadêmicos,as conversas dos adultos,as reuniões da diretoria,as brincadeiras do papai com a mamãe.A interpretação psicanalítica desse lugar como onde papai e mamãe fazem o papai e mamãe foi espirituosa;infelizmente a idéia foi rápidamente recuperada num novo fundamentalismo com o pretenso poder de decifrar-nos todos.

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